Estava
trabalhando na memória histórica dos últimos 40 anos, na perspectiva da
reedição do documento Y Juca Pirama - "O Índio aquele que deve morrer".
Em dezembro de 1973 foi dado esse grito, por bispos e missionários,
contra o genocídio indígena em curso pelos governos da ditadura militar.
Enquanto
buscava reunir denúncias e violências, mortes e massacres de povos
indígenas nestes 40 anos, vejo um email, urgente do Conselho da Aty
Guasu Kaiowá Guarani. Ao ler o teor do comunicado fico estarrecido e me
junto ao grito dos condenados- “que país é esse?".
Diante
do decreto de morte e extermínio surge a obstinada determinação dos
povos de viver ou morrer coletivamente, conforme suas crenças,
esperanças ou desespero. Esse grito certamente fará parte do manifesto
"os povos indígenas, aqueles que devem viver", apesar e contra os
decretos de extermínio.
Não
podemos calar ou ficar inertes diante desse clamor da comunidade Kaiowá
Guarani, de Pyelito Kue/Mbarakay, no município de Iguatemi, Mato Grosso
do Sul. Não se trata de um fato isolado, mas de excepcional gravidade,
diante de uma decisão de morte coletiva. Continuaremos sendo desafiados
por fatos semelhantes, caso não se tome medidas urgentes de solução da
questão da demarcação das terras indígenas desse povo.
O grito Kaiowá Guarani
"Sabemos
que seremos expulsas daqui da margem do rio pela Justiça, porém não
vamos sair da margem do rio. Como um povo nativo e indígena histórico,
decidimos meramente em ser morto coletivamente aqui. Não temos outra
opção, esta é a nossa última decisão unânime diante do despacho da
Justiça Federal de Navirai- MS." Esse é o comunicado da comunidade
indígena para o Governo e Justiça Federal.
"Nos matem e enterrem coletivamente", gritam das margens do rio Hovy
"Comemos comida uma vez por dia. Passamos isso dia-a-dia para recuperar o nosso território antigo Pyleito Kue/Mbarakay. De
fato, sabemos muito bem que no centro desse nosso território antigo
estão enterrados vários os nossos avôs e avós, bisavôs e bisavós, ali
estão os cemitérios de todos nossos antepassados. Cientes desse fato
histórico, já vamos e queremos ser mortos e enterrados junto aos nossos
antepassados aqui mesmo onde estamos hoje, por isso, pedimos ao Governo e
Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas
solicitamos o decreto da nossa morte coletiva e para nos enterrar aqui.
Pedimos, de uma vez por todas, para decretar a nossa dizimação/extinção
total, além de enviar vários tratores para cavar um grande buraco para
jogar e enterrar os nossos corpos. Esse é nosso pedido aos juízes
federais.
"Já
aguardamos esta decisão. Assim, se é para decretar a nossa morte
coletiva Guarani e Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay pedimos que nos
enterrem todos aqui. Visto que decidimos integralmente a não
sairmos desse local com vida e nem mortos. Sabemos que não temos mais
chance em sobreviver dignamente aqui em nosso território antigo, já
sofremos muito e estamos todos massacrados e morrendo de modo
acelerado." (Carta da comunidade).
Ao
tomar ciência do teor da carta dessa comunidade, Eliseu Lopes, da Aty
Guasu/APIB comentou. "É, isso vai se repetir muitas vezes se o governo
não demarcar logo as nossas terras. Quando os nossos líderes religiosos
decidem retornar aos tekoha (terras tradicionais de nossas comunidades)
vão mesmo e ninguém segura”. Ele lamenta profundamente se chegar a esse
ponto de desespero que poderá levar a muitas mortes.
Leia a carta na íntegra
Carta da comunidade Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay-Iguatemi-MS para o Governo e Justiça do Brasil
Nós
(50 homens, 50 mulheres e 70 crianças) comunidades Guarani-Kaiowá
originárias de tekoha Pyelito kue/Mbrakay, viemos através desta carta
apresentar a nossa situação histórica e decisão definitiva diante de da
ordem de despacho expressado pela Justiça Federal de Navirai-MS,
conforme o processo nº 0000032-87.2012.4.03.6006, do dia 29 de setembro
de 2012. Recebemos a informação de que nossa comunidade logo será
atacada, violentada e expulsa da margem do rio pela própria Justiça
Federal, de Navirai-MS.
Assim,
fica evidente para nós, que a própria ação da Justiça Federal gera e
aumenta as violências contra as nossas vidas, ignorando os nossos
direitos de sobreviver à margem do rio Hovy e próximo de nosso
território tradicional Pyelito Kue/Mbarakay. Entendemos claramente que
esta decisão da Justiça Federal de Navirai-MS é parte da ação de
genocídio e extermínio histórico ao povo indígena, nativo e autóctone do
Mato Grosso do Sul, isto é, a própria ação da Justiça Federal está
violentando e exterminado e as nossas vidas. Queremos deixar evidente ao
Governo e Justiça Federal que por fim, já perdemos a esperança de
sobreviver dignamente e sem violência em nosso território antigo, não
acreditamos mais na Justiça brasileira. A quem vamos denunciar as
violências praticadas contra nossas vidas? Para qual Justiça do Brasil?
Se a própria Justiça Federal está gerando e alimentando violências
contra nós. Nós já avaliamos a
nossa situação atual e concluímos que vamos morrer todos mesmo em pouco
tempo, não temos e nem teremos perspectiva de vida digna e justa tanto
aqui na margem do rio quanto longe daqui. Estamos aqui acampados a 50 metros
do rio Hovy onde já ocorreram quatro mortes, sendo duas por meio de
suicídio e duas em decorrência de espancamento e tortura de pistoleiros
das fazendas.
Moramos
na margem do rio Hovy há mais de um ano e estamos sem nenhuma
assistência, isolados, cercado de pistoleiros e resistimos até hoje.
Comemos comida uma vez por dia. Passamos tudo isso para recuperar o
nosso território antigo Pyleito Kue/Mbarakay. De
fato, sabemos muito bem que no centro desse nosso território antigo
estão enterrados vários os nossos avôs, avós, bisavôs e bisavós, ali
estão os cemitérios de todos nossos antepassados.
Cientes
desse fato histórico, nós já vamos e queremos ser mortos e enterrados
junto aos nossos antepassados aqui mesmo onde estamos hoje, por isso,
pedimos ao Governo e Justiça Federal para não decretar a ordem de
despejo/expulsão, mas solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e
para enterrar nós todos aqui.
Pedimos,
de uma vez por todas, para decretar a nossa dizimação e extinção total,
além de enviar vários tratores para cavar um grande buraco para jogar
e enterrar os nossos corpos. Esse é nosso pedido aos juízes federais.
Já aguardamos esta decisão da Justiça Federal. Decretem a nossa morte
coletiva Guarani e Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay e enterrem-nos aqui.
Visto que decidimos integralmente a não sairmos daqui com vida e nem
mortos.
Sabemos
que não temos mais chance em sobreviver dignamente aqui em nosso
território antigo, já sofremos muito e estamos todos massacrados e
morrendo em ritmo acelerado. Sabemos que seremos expulsos daqui da
margem do rio pela Justiça, porém não vamos sair da margem do rio. Como
um povo nativo e indígena histórico, decidimos meramente em sermos
mortos coletivamente aqui. Não temos outra opção esta é a nossa última
decisão unânime diante do despacho da Justiça Federal de Navirai-MS.
Atenciosamente, Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay
Relatório do conselho Aty Guasu explica a situação dos Guarani Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay
Este
relatório é do conselho da Aty Guasu Guarani e Kaiowá, explicitando a
história e situação atual de vida dos integrantes das comunidades
Guarani-Kaiowá do território tradicional Pyelito Kue/Mbarakay,
localizada na margem de Rio Hovy, 50 metros
do rio Hovy, no município de Iguatemi-MS. O acampamento da comunidade
guarani e kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay começou no dia 08 de agosto de
2011.
É
importante ressaltar que os membros (crianças, mulheres e idosos) dessa
comunidade proveniente de uma reocupação, no dia 23 de agosto de 2011,
às 20h00, foram atacados de modo violentos e cruéis pelos pistoleiros
das fazendas. A mando dos fazendeiros, os homens armados passaram
permanentemente a ameaçar e cercar a área minúscula reocupada pela
comunidade Guarani-Kaiowá na margem do rio que este fato perdura até
hoje.
Em
um ano, os pistoleiros que cercam o acampamento das famílias
guarani-kaiowá, já cortaram/derrubaram 10 vezes a ponte móvel feito de
arame/cipó que é utilizada pelas comunidades para atravessar um rio com a
largura de 30 metros largura e mais de 3 metros
de fundura. Apesar desse isolamento pistoleiros armados ameaçam
constantemente os indígenas, porém 170 comunidades indígenas reocupante
do território antigo Pyelito kue continuam resistindo e sobrevivendo na
margem do rio Hovy na pequena área reocupada até os dias de hoje, estão
aguardando a demarcação definitiva do território antigo Pyelito
Kue/Mbarakay.
No
dia 8 dezembro de 2009, este grupo já foi espancado, ameaçado com armas
de fogo, vendado e jogado à beira da estrada em uma desocupação
extra-judicial, promovida por um grupo de pistoleiros a mando de
fazendeiros da região de Iguatemi-MS. Antes, em julho de 2003, um grupo
indígena já havia tentado retornar, sendo expulso por pistoleiros das
fazendas da região, que invadiram o acampamento dos indígenas,
torturaram e fraturaram as pernas e os braços das mulheres, crianças e
idosos. Em geral os Guarani e Kaiowa são hoje cerca de 50 mil pessoas,
ocupando apenas 42 mil hectares. A falta de terras regularizadas tem
ocasionado uma série de problemas sociais entre eles, ocasionando uma
crise humanitária, com altos índices de mortalidade infantil, violência e
suicídios entre jovens.
No
último mês a Justiça Federal de Navirai-MS, deferiu liminar de despejo
da comunidade Guarani e Kaiowá da margem do rio Hovy solicitado pelo
advogado dos fazendeiros e, no despacho cita “reintegração de posse”,
mas observamos que o grupo indígena está assentado na margem do rio
Hovy, ou seja, não estão no interior da fazenda como alega o advogado
dos fazendeiros. De fato, não procede à argumentação dos fazendeiros e
por sua vez do juiz federal de Navirai sem verificar o fato relatado,
deferir a reintegração de posse. Não é possível despejar indígenas da
margem de um rio. Por isso pedimos para Justiça rever a decisão de juiz
de Navirai-MS.
No
sentido amplo, nos conselhos da Aty Guasu recebemos a carta da
comunidade de Pyelito Kue/Mbarakay em que consta a decisão da comunidade
que passamos divulgar a todas as autoridades federais e sociedade
brasileira.
Tekoha Pyelito kue/Mbarakay, 08 de outubro de 2012
Atenciosamente,
Conselho/Comissão de Aty Guasu Guarani e Kaiowá do MS.
Fonte: CIMI