O principal canteiro de obras da maior obra em curso no país parou
novamente. Depois de oito dias de uma paralisação que reacendeu a luta
contra grandes obras que impactam comunidades tradicionais, os indígenas
voltaram a suspender por tempo indeterminado os trabalhos da Usina
Hidrelétrica Belo Monte, na segunda-feira, 27.
Eles reivindicam a suspensão de obras e estudos de barragens em seus
territórios, exigindo que a consulta prévia – com poder de veto – seja
realizada.
Um sem-número de guindastes, betoneiras, tratores, escavadeiras,
gruas, caminhões e caminhonetes pararam no quilômetro 50 da Rodovia
Transamazônica para ver 170 indígenas Munduruku, Xipaya, Arara, Kayapó e
Tupinambá passarem e ficarem. “E dessa vez não vamos sair, nem com
reintegração de posse”, afirmaram as lideranças do movimento em
entrevista à emissora afiliada à Rede Globo no Pará. “Alguém vai ter que
vir aqui, ou nós vamos começar a plantar roça no canteiro”.
Em meio ao que parecia ser o pico mais baixo de um marasmo decorrente
de sucessivas derrotas dos povos indígenas da região da Volta Grande do
Xingu, surge uma nova articulação: a dos povos dos rios onde o governo
pretende implementar grandes complexos hidrelétricos – e, com eles,
violentas empreitadas no campo da mineração, desmatamento e caos social.
” Nós somos nós e o governo precisa lidar com isso”, afirma o movimento
na carta número sete da ocupação da usina Belo Monte.
Após a ocupação anterior, entre os dias 2 e 9 de maio, indígenas dos
rios Tapajós e Teles Pires permaneceram acampados em Altamira,
aguardando uma resposta do governo federal sobre suas demandas. Mas
“esperar e chamar não servem para nada”, concluem os indígenas no
documento. E, então, eles reocuparam o empreendimento.
Antes disso, a concessionária Norte Energia, prevendo distúrbios,
havia pedido à Justiça Federal de Altamira que garantisse a manutenção
da reintegração de posse deferida liminarmente para a ocupação anterior,
e estabelecesse multa para possíveis invasões. O juíz concedeu multa de
5 mil reais por dia “em caso de nova turbação ou esbulho no imóvel
denominado Sítio Belo Monte”. Isso não pareceu incomodar os indígenas,
que reocuparam exatamente o mesmo local de antes.
Ocupação
Entraram no canteiro por volta das 4 horas da manhã – e ao contrário da
outra ocupação, todos os acessos do sítio, dessa vez, ficaram sob o
controle dos indígenas. Isso impediu toda a operação do canteiro. Desde o
início do dia, a comunidade enfrentou o assédio e a pressão de um
contingente de ao menos 50 policiais da Força Nacional (FNSP), Polícia
Rodoviária Federal, Tropa de Choque da Polícia Militar, Rotam, Polícia
Civil e seguranças privados de ao menos duas empresas diferentes
ligadas ao Consórcio Construtor Belo Monte. A polícia tem pressionado os
piquetes a permitirem a entrada de mais policiais no empreendimento,
mas os ocupantes não permitiram. “Agindo assim, vocês estão declarando
guerra contra a Força Nacional”, ouviram os manifestantes.
Sofreram também o corte do fornecimento de água e energia elétrica
nas instalações onde estão alojados, elementos que a Força Nacional tem
utilizado para tentar desmobilizar e garantir a entrada de mais
destacamentos policiais dentro do canteiro, além das tropas que já
residem dentro do canteiro de obras. O diálogo abaixo, transcrito pelos
indígenas e presenciado pela imprensa, dá a dimensão das pressões
sofridas no canteiro:
- Vocês liberam a entrada pra gente, e nós religamos a luz, disseram os policiais aos indígenas
- Nós queremos que vocês saiam, responderam os indígenas. Nós não estamos armados, não estamos quebrando nada, podem ir.
- Vocês estão armados, sim, retrucou o policial, apontando para uma lança de madeira.
- Isso é nossa cultura.
- E essa é a nossa cultura, concluiu o policial, acariciando a pistola na cintura.
Alianças
Os indígenas escreveram uma carta aos trabalhadores do CCBM, “com quem a
gente joga bola no canteiro”, propondo uma aliança tática entre
comunidades tradicionais, atingidos da região de Altamira e os operários
do empreendimento (segundo os indígenas, a Força Nacional não tem
permitido a distribuição dos panfletos). E dizem temer possibilidades de
“infiltração” de falsos trabalhadores, pagos pelo Consórcio para criar
situações de crise entre eles. Toda essa “sofisticação” do movimento
indígena tem incomodado o governo e as empresas envolvidas na construção
da obra, que sucessivamente tem tentado descaracterizar a ação e acusar
os indígenas de serem manipulados por ONGs estrangeiras.
Na conta do governo está o silêncio retumbante sobre a pauta dos
indígenas: nem um pio sobre consulta prévia, e também “a militarização
dos contextos de conflito social relativos à luta por direitos dos
indígenas”, conforme apontou nota do Conselho Indigenista Missionário.
Também figuram a expulsão e multa de jornalistas e um espetáculo de
declarações difamatórias, racistas e caluniosas contra comunidades
inteiras.
Reintegração
A Norte Energia novamente reforçou o pedido de reintegração de posse na
Justiça do canteiro ocupado. Na primeira decisão, o juíz Sérgio Guedes
se mostrou bastante sensível à questão indígena, e agora deu prazo de 24
horas para que a Polícia Federal e a Fundação Nacional do Índio (Funai)
entregassem relatórios sobre as ocorrências à Justiça. Alguma decisão
deve ocorrer amanhã, terça-feira.
“A barragem dividiu as aldeias e dividiu os parentes”, lamenta Juma
Xipaya. “Dividiu o homem. Então é preciso um novo pacto, entre os
encantados de cada povo, que vai unir todos os parentes”, afirma o
cacique Babau Tupinambá. Ambas as lideranças fazem parte da dúzia de
povos que já declararam solidariedade irrestrita ao movimento por meio
de cartas de apoio aos parentes que ocupam a barragem.
Fonte: Ruy Sposati/ Xingu Vivo
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