sexta-feira, 28 de junho de 2013
Código da Mineração atenta contra áreas protegidas, diz WWF
Para isso, bastaria às empresas doarem aos órgãos ambientais áreas com o dobro do tamanho das abertas à exploração comercial e com mesmas características ecológicas e biológicas. Gurgel justifica seu movimento afirmando que “um grande número dessas unidades, especialmente na Amazônia, foram criadas sobre terras com grande potencial mineral” e que a atividade ajudaria a reduzir os índices nacionai s de pobreza.
O projeto, todavia, mete os pés pelas mãos. Afinal, unidades de conservação foram criadas para proteger a biodiversidade, as fontes de água e outros serviços ambientais. São fruto de estudos técnicos, audiências p úblicas e decretos do Poder Executivo. Além disso, não há nenhuma garantia de que áreas com os mesmos atributos ambientais sejam encontradas, especialmente próximas das áreas protegidas abertas à exploração mineral. Muitas unidades de conservação abrigam justamente porções raras ou únicas da natureza brasileira.
“O projeto é mais um ataque ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação, pois desvirtua a função básica das áreas de proteção integral, que é o de resguardar da forma mais íntegra possível a diversidade de nosso patrimônio natural. Há incontáveis fontes de minérios fora dos limites das unidades de conservação”, ressaltou Jean Timmers, superintendente de Políticas Públicas do WWF-Brasil.
Uma Comissão Especial criada pelo presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), analisa a Proposta de Emenda Constitucional 215/2000. A PEC concede competência exclusiva ao Congresso para aprovar a criação de unidades de conservação, a demarcação de terras indígenas e o reconhecimento de territórios quilombolas.
Unidades de conservação são legalmente instituídas pelo poder público, nos âmbitos municipal, estadual ou federal. Elas são reguladas pela Lei 9.985 / 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Estão divididas nos grupos de proteção integral e de uso sustentável.
Por: Aldem Bourscheit
Fonte: WWF Brasil
A Amazônia pode mesmo virar cerrado?
As teorias sobre os feitos das mudanças climáticas e o aquecimento
global na Amazônia são muitas. Em 2000, o meteorologista Peter Cox
lançou um estudo de grande repercussão, que previa que a Amazônia
poderia secar até 2050. A possibilidade foi reforçada anos depois por
estudos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e da Ong
conservacionista WWF.
Em 2007, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) também considerou que uma área entre 10% e 25% da maior floresta tropical do mundo poderia virar cerrado até 2080.
Segundo Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), membro do IPCC e do Experimento de Larga Escala da Biosfera e Atmosfera da Amazônia (LBA), o primeiro estudo de Peter Cox baseou suas previsões em um único modelo climático que, se considerasse a taxa de precipitação da Amazônia atual, chegaria a um índice 30% abaixo do real.
“Se você propaga essa diferença para um aumento de temperatura de 3 a 4 graus nos próximos 50 anos, você não precisa nem ser modelador climático pra prever o resultado: a floresta morre”, afirma o cientista.
Floresta é mais resistente do que se esperava – Em fevereiro deste ano, outro estudo publicado pela Nature, assinado pelo próprio Peter Cox e por cientistas como o espanhol José Marengo, pesquisador do Inpe, trouxe a tona uma teoria conhecida como “Resilience” (“resiliência”, no português).
A pesquisa se baseia em 17 modelos climáticos e explica que os danos originados pelo aumento de CO2 na atmosfera – causado pelo desmatamento e queima de combustível de fósseis – serão minimizados pelo poder fertilizante do dióxido de carbono nas plantas.
Artaxo explica que a Amazônia atua hoje como um sumidouro de CO2 e absorve cerca de 0,9 toneladas de carbono por hectare ao ano.
Não quer dizer que a floresta está imune. O grande risco estudado pelos especialistas é que com as mudanças climáticas e a seca, as plantas entrem em estresse hídrico, deixem de fazer fotossíntese e percam biomassa, liberando carbono. Isso, além de causar um enorme dano à camada de ozônio, faria com que a floresta secasse.
O LBA, durante oito anos, realizou experimentos de exclusão de chuva nas regiões de Caxiuanã e Santarém, na floresta amazônica. Imensos painéis de plásticos foram colocados sobre as copas das árvores para coletar a água que cairia no ecossistema.
A descoberta foi que as florestas dessas regiões são resistentes a uma seca sazonal por um ou dois anos, mas começam a morrer depois de quatro anos. “Elas tem uma resistência natural. Conforme tem uma seca, a planta aprofunda suas raízes e tira água de lugares profundos, mas tem um limite pra elas fazerem isso”, afirma o físico.
E quando chega ao seu limite, a floresta começa a perder biomassa. Isso também pode ser comprovado nas secas de 2005 e 2010, onde houve redução significativa na absorção de carbono pelas plantas, o que prejudica seu crescimento. Pior, com a morte das árvores, além de se reduzir a absorção de CO2, uma quantidade extra do gás é liberada na atmosfera pela decomposição.
Até quando a floresta aguenta? – O que a teoria da resiliência vem mostrar é que, ainda que os efeitos nocivos das mudanças climáticas levem à liberação de bilhões de toneladas de carbono acumulados em terras tropicais, o dióxido de carbono estimularia o crescimento da floresta, levando a um aumento de até 319 bilhões de toneladas de carbono armazenado até o fim do século. Ou seja, as plantas continuariam acumulando CO2.
O pesquisador José Marengo explica que, dessa maneira, mesmo que a floresta fosse afetada, ela não entraria em colapso a ponto de secar. “Há possibilidades dela se transformar em outro tipo de vegetação”, explica.
Mas o cientista deixa claro que a fertilização por CO2 tem limites. “A partir de um certo ponto, o CO2 não ajuda mais no crescimento da floresta”, explica. Por isso, o que pode acontecer depois que o nível de dióxido de carbono chegar à sua saturação, ainda é imprevisível. O estudo se baseia em modelos climáticos com cenários até 2100.
Além disso, o estudo tem outras ressalvas. Marengo explica que a pesquisa não levou em conta outros gases do efeito estufa – como o metano -, e a capacidade de absorção de nutrientes do solo pelas plantas, um fator primordial para o crescimento da floresta.
O pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) Paulo Brando também aponta algumas incertezas. “Mesmo com o aumento na concentração de CO2 na atmosfera, o crescimento que árvores pode ser restringido por outros nutrientes, principalmente o fósforo, que é escasso nos trópicos”, alerta. Segundo ele, estudos mostraram que o nitrogênio teve esse efeito em florestas temperadas, e o composto é abundante em florestas tropicais.
Ele também conta que não há estudos sobre os efeitos de fertilização de CO2 na dinâmica de florestas tropicais, e que todo o conhecimento sobre esse assunto vem de experimentos teóricos ou realizados em laboratórios. “Os resultados da pesquisa devem ser interpretados como hipóteses interessantes e importantes, mas que devem ser testadas com a utilização de diferentes técnicas”, ressalta.
Fonte: Exame.com
Em 2007, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) também considerou que uma área entre 10% e 25% da maior floresta tropical do mundo poderia virar cerrado até 2080.
Segundo Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), membro do IPCC e do Experimento de Larga Escala da Biosfera e Atmosfera da Amazônia (LBA), o primeiro estudo de Peter Cox baseou suas previsões em um único modelo climático que, se considerasse a taxa de precipitação da Amazônia atual, chegaria a um índice 30% abaixo do real.
“Se você propaga essa diferença para um aumento de temperatura de 3 a 4 graus nos próximos 50 anos, você não precisa nem ser modelador climático pra prever o resultado: a floresta morre”, afirma o cientista.
Floresta é mais resistente do que se esperava – Em fevereiro deste ano, outro estudo publicado pela Nature, assinado pelo próprio Peter Cox e por cientistas como o espanhol José Marengo, pesquisador do Inpe, trouxe a tona uma teoria conhecida como “Resilience” (“resiliência”, no português).
A pesquisa se baseia em 17 modelos climáticos e explica que os danos originados pelo aumento de CO2 na atmosfera – causado pelo desmatamento e queima de combustível de fósseis – serão minimizados pelo poder fertilizante do dióxido de carbono nas plantas.
Artaxo explica que a Amazônia atua hoje como um sumidouro de CO2 e absorve cerca de 0,9 toneladas de carbono por hectare ao ano.
Não quer dizer que a floresta está imune. O grande risco estudado pelos especialistas é que com as mudanças climáticas e a seca, as plantas entrem em estresse hídrico, deixem de fazer fotossíntese e percam biomassa, liberando carbono. Isso, além de causar um enorme dano à camada de ozônio, faria com que a floresta secasse.
O LBA, durante oito anos, realizou experimentos de exclusão de chuva nas regiões de Caxiuanã e Santarém, na floresta amazônica. Imensos painéis de plásticos foram colocados sobre as copas das árvores para coletar a água que cairia no ecossistema.
A descoberta foi que as florestas dessas regiões são resistentes a uma seca sazonal por um ou dois anos, mas começam a morrer depois de quatro anos. “Elas tem uma resistência natural. Conforme tem uma seca, a planta aprofunda suas raízes e tira água de lugares profundos, mas tem um limite pra elas fazerem isso”, afirma o físico.
E quando chega ao seu limite, a floresta começa a perder biomassa. Isso também pode ser comprovado nas secas de 2005 e 2010, onde houve redução significativa na absorção de carbono pelas plantas, o que prejudica seu crescimento. Pior, com a morte das árvores, além de se reduzir a absorção de CO2, uma quantidade extra do gás é liberada na atmosfera pela decomposição.
Até quando a floresta aguenta? – O que a teoria da resiliência vem mostrar é que, ainda que os efeitos nocivos das mudanças climáticas levem à liberação de bilhões de toneladas de carbono acumulados em terras tropicais, o dióxido de carbono estimularia o crescimento da floresta, levando a um aumento de até 319 bilhões de toneladas de carbono armazenado até o fim do século. Ou seja, as plantas continuariam acumulando CO2.
O pesquisador José Marengo explica que, dessa maneira, mesmo que a floresta fosse afetada, ela não entraria em colapso a ponto de secar. “Há possibilidades dela se transformar em outro tipo de vegetação”, explica.
Mas o cientista deixa claro que a fertilização por CO2 tem limites. “A partir de um certo ponto, o CO2 não ajuda mais no crescimento da floresta”, explica. Por isso, o que pode acontecer depois que o nível de dióxido de carbono chegar à sua saturação, ainda é imprevisível. O estudo se baseia em modelos climáticos com cenários até 2100.
Além disso, o estudo tem outras ressalvas. Marengo explica que a pesquisa não levou em conta outros gases do efeito estufa – como o metano -, e a capacidade de absorção de nutrientes do solo pelas plantas, um fator primordial para o crescimento da floresta.
O pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) Paulo Brando também aponta algumas incertezas. “Mesmo com o aumento na concentração de CO2 na atmosfera, o crescimento que árvores pode ser restringido por outros nutrientes, principalmente o fósforo, que é escasso nos trópicos”, alerta. Segundo ele, estudos mostraram que o nitrogênio teve esse efeito em florestas temperadas, e o composto é abundante em florestas tropicais.
Ele também conta que não há estudos sobre os efeitos de fertilização de CO2 na dinâmica de florestas tropicais, e que todo o conhecimento sobre esse assunto vem de experimentos teóricos ou realizados em laboratórios. “Os resultados da pesquisa devem ser interpretados como hipóteses interessantes e importantes, mas que devem ser testadas com a utilização de diferentes técnicas”, ressalta.
Fonte: Exame.com
quinta-feira, 6 de junho de 2013
Índios afetados por hidrelétricas: três processos judiciais, nenhuma consulta
Consulta prévia aos indígenas é assunto de reunião hoje em
Brasília entre o governo federal e os índios que paralisaram a obra de
Belo Monte nos últimos oito dias
Os indígenas impactados de maneira definitiva pelos projetos de usinas hidrelétricas na Amazônia nunca foram consultados previamente, da forma definida pela Constituição brasileira e pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Por esse motivo, o governo brasileiro responde a três processos judiciais, movidos pelo Ministério Público Federal no Pará e no Mato Grosso.
Nas ações, o MPF defende o direito de consulta dos povos indígenas Arara, Juruna, Munduruku e também para os ribeirinhos dos rios Xingu, Tapajós e Teles Pires. Uma quarta ação está em estudo, em defesa do direito dos Kayabi, afetados pela usina de São Manoel e nunca consultados. O licenciamento da usina está em andamento, mas chegou a ser paralisado por não prever sequer estudos de impactos ambiental sobre os indígenas.
Os índios que ocupavam um dos canteiros de obras da usina de Belo Monte estão em Brasília hoje debatendo a reivindicação da consulta em uma reunião com o governo federal. A Vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, acompanha a reunião, assim como a presidente da Associação Brasileira de Antropologia, Carmen Rial.
Suspensões de segurança
Em todos os processos que move sobre a consulta, o MPF obteve vitórias em favor dos indígenas, mas o governo recorreu e toca os projetos com base em liminares e suspensões de segurança – instrumento em que o presidente de um tribunal suspende decisões das instâncias inferiores de forma solitária, sem julgamento em plenário. A suspensão de segurança não analisa os argumentos debatidos na ação, apenas se uma determinada decisão judicial afeta a ordem, a saúde, a segurança e a economia públicas, deixando o debate sobre os motivos do processo para depois.
Sobre o histórico de suspensões de decisões nos processos de usinas, os desembargadores da 5ª Turma do TRF1, que julgou os casos de Belo Monte e Teles Pires, lembraram que esse tipo de suspensão surgiu na lei processual brasileira em 1964, durante o regime de exceção. “A lei é de exceção e o Estado, hoje, é de direito. Portanto, a lei que criou a figura excepcional de suspensão de segurança, rompendo com o devido processo legal, é um diploma autoritário”, disseram em um acórdão.
Conflitos
Nos três rios que são objeto das ações do MPF pela consulta, o governo brasileiro tem projetos de pelo menos 11 hidrelétricas em estágios variados de construção e licenciamento. Belo Monte, o caso mais emblemático, já acumula mais de 17 processos na Justiça Federal e incontáveis conflitos com índios e trabalhadores. Foi palco de várias ocupações por indígenas, as últimas reivindicando claramente o direito da consulta prévia.
A maior parte dos indígenas que ocuparam Belo Monte por 17 dias somente no último mês de maio vivem no rio Tapajós, afetados pelas usinas de São Luiz do Tapajós, São Manoel e Teles Pires. São Luiz do Tapajós é um dos grandes focos de conflito, mas não é o único. A usina Teles Pires, já em estágio de construção, explodiu cachoeiras consideradas território sagrado para os índios Munduruku. Eles nunca foram consultados e por isso, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília ordenou a paralisação da obra em agosto do ano passado. Mas a decisão dos três desembargadores que analisaram o processo foi suspensa por uma decisão monocrática do presidente do Tribunal, Mário César Ribeiro. O processo continua tramitando.
No caso de São Luiz do Tapajós, todas as instâncias judiciais reconheceram o direito à Consulta não só para os índios, como para os ribeirinhos, que no rio Tapajós são conhecidos como beiradeiros. Em vez de fazer as consultas, no entanto, o governo recorreu na Justiça e montou uma operação da Força Nacional para garantir os estudos de impacto dentro dos territórios indígenas, o que é um dos principais motivos para a revolta dos Munduruku. Novamente, a Advocacia Geral da União conseguiu suspender as decisões favoráveis aos índios, dessa vez por meio de uma decisão monocrática do presidente do Superior Tribunal de Justiça, Félix Fischer.
O primeiro caso do MPF sobre a consulta, iniciado em 2006, diz respeito aos indígenas do Xingu, impactados pela usina hidrelétrica de Belo Monte. A batalha judicial já completou sete anos. No começo do processo, os advogados do governo alegavam que as consultas poderiam se dar em qualquer etapa do licenciamento ambiental, que os estudos poderiam prosseguir, que as licenças poderiam ser concedidas e depois a consulta seria feita.
No meio do processo, o governo federal mudou sua argumentação e passou a dizer que os indígenas do Xingu nem precisariam ser consultados, porque a hidrelétrica não alagará terras indígenas. O TRF1 desconsiderou o argumento, já que a obrigação prevista na Convenção 169 é para consultar povos afetados e que terão seus modos de vida modificados, não necessariamente alagados. No caso do Xingu, o rio será desviado para abastecer a usina: em vez de alagar, as terras indígenas vão secar, o que pode ser impacto ainda mais grave.
A decisão favorável aos indígenas no caso de Belo Monte, que paralisou a usina por dez dias em agosto de 2012, também foi suspensa por uma decisão monocrática, do então presidente do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto. Até agora, o plenário do STF não analisou a questão.
O momento da consulta
Entre as suspensões de segurança concedidas ao governo federal por Félix Fischer, Ayres Britto e Mário César Ribeiro existe uma coincidência: nenhuma delas afirma que que a consulta não é necessária ou não precisa ser feita, apenas permitem que o governo siga com estudos, cronogramas e obras até que chegue a hora de se julgar o direito da consulta. Para o MPF, o momento da consulta afeta decisivamente a efetividade desse direito.
De acordo com a Convenção 169, a consulta é necessária em qualquer projeto ou decisão de governo que vá afetar, modificar, de forma permanente e irreversível, a vida de povos indígenas, tribais e tradicionais. Para o MPF, deve ser aplicada a várias populações amazônicas, não apenas indígenas. E deve ser feita antes de qualquer decisão sobre o projeto.
Atualmente, o governo tenta convencer os indígenas do Tapajós e o judiciário que a consulta pode ser feita depois dos Estudos de Impacto Ambiental. Em argumentações nos processos judiciais, a AGU contraditoriamente afirma que quer fazer a consulta, batizada de Diálogo Tapajós, mas que não pode deixar de cumprir o cronograma de implantação da usina – do qual os estudos de impacto são etapa inicial. Para a AGU, para ser prévia, basta que a consulta seja feita antes da Licença Prévia concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente.
Para o MPF, isso equivale a tornar a consulta inválida, porque a decisão de construir a usina foi tomada muito antes do Ibama entrar no processo, quando concluído o inventário da bacia hidrográfica e definidos os pontos para construção de hidrelétricas. “Se a obra já tem até cronograma, como falar em consulta?”, questiona o procurador da República Felício Pontes Jr, que acompanha os processos sobre o assunto.
Após o inventário da bacia hidrográfica existem dois momentos em que o governo, em conjunto com empresários da construção civil e do setor elétrico, decide realmente pela construção da usina, sem a participação dos povos afetados. São as resoluções do Conselho Nacional de Política Energética e da Agencia Nacional de Energia Elétrica que definem que a obra será realizada. “Esses momentos tem que ser precedidos de consulta aos povos afetados, ou então o Brasil estará violando o compromisso assumido na Convenção 169”, explica o procurador Ubiratan Cazetta.
Fonte: MPF-PA
Os indígenas impactados de maneira definitiva pelos projetos de usinas hidrelétricas na Amazônia nunca foram consultados previamente, da forma definida pela Constituição brasileira e pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Por esse motivo, o governo brasileiro responde a três processos judiciais, movidos pelo Ministério Público Federal no Pará e no Mato Grosso.
Nas ações, o MPF defende o direito de consulta dos povos indígenas Arara, Juruna, Munduruku e também para os ribeirinhos dos rios Xingu, Tapajós e Teles Pires. Uma quarta ação está em estudo, em defesa do direito dos Kayabi, afetados pela usina de São Manoel e nunca consultados. O licenciamento da usina está em andamento, mas chegou a ser paralisado por não prever sequer estudos de impactos ambiental sobre os indígenas.
Os índios que ocupavam um dos canteiros de obras da usina de Belo Monte estão em Brasília hoje debatendo a reivindicação da consulta em uma reunião com o governo federal. A Vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, acompanha a reunião, assim como a presidente da Associação Brasileira de Antropologia, Carmen Rial.
Suspensões de segurança
Em todos os processos que move sobre a consulta, o MPF obteve vitórias em favor dos indígenas, mas o governo recorreu e toca os projetos com base em liminares e suspensões de segurança – instrumento em que o presidente de um tribunal suspende decisões das instâncias inferiores de forma solitária, sem julgamento em plenário. A suspensão de segurança não analisa os argumentos debatidos na ação, apenas se uma determinada decisão judicial afeta a ordem, a saúde, a segurança e a economia públicas, deixando o debate sobre os motivos do processo para depois.
Sobre o histórico de suspensões de decisões nos processos de usinas, os desembargadores da 5ª Turma do TRF1, que julgou os casos de Belo Monte e Teles Pires, lembraram que esse tipo de suspensão surgiu na lei processual brasileira em 1964, durante o regime de exceção. “A lei é de exceção e o Estado, hoje, é de direito. Portanto, a lei que criou a figura excepcional de suspensão de segurança, rompendo com o devido processo legal, é um diploma autoritário”, disseram em um acórdão.
Conflitos
Nos três rios que são objeto das ações do MPF pela consulta, o governo brasileiro tem projetos de pelo menos 11 hidrelétricas em estágios variados de construção e licenciamento. Belo Monte, o caso mais emblemático, já acumula mais de 17 processos na Justiça Federal e incontáveis conflitos com índios e trabalhadores. Foi palco de várias ocupações por indígenas, as últimas reivindicando claramente o direito da consulta prévia.
A maior parte dos indígenas que ocuparam Belo Monte por 17 dias somente no último mês de maio vivem no rio Tapajós, afetados pelas usinas de São Luiz do Tapajós, São Manoel e Teles Pires. São Luiz do Tapajós é um dos grandes focos de conflito, mas não é o único. A usina Teles Pires, já em estágio de construção, explodiu cachoeiras consideradas território sagrado para os índios Munduruku. Eles nunca foram consultados e por isso, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília ordenou a paralisação da obra em agosto do ano passado. Mas a decisão dos três desembargadores que analisaram o processo foi suspensa por uma decisão monocrática do presidente do Tribunal, Mário César Ribeiro. O processo continua tramitando.
No caso de São Luiz do Tapajós, todas as instâncias judiciais reconheceram o direito à Consulta não só para os índios, como para os ribeirinhos, que no rio Tapajós são conhecidos como beiradeiros. Em vez de fazer as consultas, no entanto, o governo recorreu na Justiça e montou uma operação da Força Nacional para garantir os estudos de impacto dentro dos territórios indígenas, o que é um dos principais motivos para a revolta dos Munduruku. Novamente, a Advocacia Geral da União conseguiu suspender as decisões favoráveis aos índios, dessa vez por meio de uma decisão monocrática do presidente do Superior Tribunal de Justiça, Félix Fischer.
O primeiro caso do MPF sobre a consulta, iniciado em 2006, diz respeito aos indígenas do Xingu, impactados pela usina hidrelétrica de Belo Monte. A batalha judicial já completou sete anos. No começo do processo, os advogados do governo alegavam que as consultas poderiam se dar em qualquer etapa do licenciamento ambiental, que os estudos poderiam prosseguir, que as licenças poderiam ser concedidas e depois a consulta seria feita.
No meio do processo, o governo federal mudou sua argumentação e passou a dizer que os indígenas do Xingu nem precisariam ser consultados, porque a hidrelétrica não alagará terras indígenas. O TRF1 desconsiderou o argumento, já que a obrigação prevista na Convenção 169 é para consultar povos afetados e que terão seus modos de vida modificados, não necessariamente alagados. No caso do Xingu, o rio será desviado para abastecer a usina: em vez de alagar, as terras indígenas vão secar, o que pode ser impacto ainda mais grave.
A decisão favorável aos indígenas no caso de Belo Monte, que paralisou a usina por dez dias em agosto de 2012, também foi suspensa por uma decisão monocrática, do então presidente do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto. Até agora, o plenário do STF não analisou a questão.
O momento da consulta
Entre as suspensões de segurança concedidas ao governo federal por Félix Fischer, Ayres Britto e Mário César Ribeiro existe uma coincidência: nenhuma delas afirma que que a consulta não é necessária ou não precisa ser feita, apenas permitem que o governo siga com estudos, cronogramas e obras até que chegue a hora de se julgar o direito da consulta. Para o MPF, o momento da consulta afeta decisivamente a efetividade desse direito.
De acordo com a Convenção 169, a consulta é necessária em qualquer projeto ou decisão de governo que vá afetar, modificar, de forma permanente e irreversível, a vida de povos indígenas, tribais e tradicionais. Para o MPF, deve ser aplicada a várias populações amazônicas, não apenas indígenas. E deve ser feita antes de qualquer decisão sobre o projeto.
Atualmente, o governo tenta convencer os indígenas do Tapajós e o judiciário que a consulta pode ser feita depois dos Estudos de Impacto Ambiental. Em argumentações nos processos judiciais, a AGU contraditoriamente afirma que quer fazer a consulta, batizada de Diálogo Tapajós, mas que não pode deixar de cumprir o cronograma de implantação da usina – do qual os estudos de impacto são etapa inicial. Para a AGU, para ser prévia, basta que a consulta seja feita antes da Licença Prévia concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente.
Para o MPF, isso equivale a tornar a consulta inválida, porque a decisão de construir a usina foi tomada muito antes do Ibama entrar no processo, quando concluído o inventário da bacia hidrográfica e definidos os pontos para construção de hidrelétricas. “Se a obra já tem até cronograma, como falar em consulta?”, questiona o procurador da República Felício Pontes Jr, que acompanha os processos sobre o assunto.
Após o inventário da bacia hidrográfica existem dois momentos em que o governo, em conjunto com empresários da construção civil e do setor elétrico, decide realmente pela construção da usina, sem a participação dos povos afetados. São as resoluções do Conselho Nacional de Política Energética e da Agencia Nacional de Energia Elétrica que definem que a obra será realizada. “Esses momentos tem que ser precedidos de consulta aos povos afetados, ou então o Brasil estará violando o compromisso assumido na Convenção 169”, explica o procurador Ubiratan Cazetta.
Fonte: MPF-PA
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