segunda-feira, 30 de julho de 2012

Uma leitura de antropólogos e sociólogos sobre o futuro da Amazônia

O enfraquecimento de agências multilaterais de cooperação internacional começa a ameaçar as políticas para conservação da Amazônia Legal. A afirmativa é do presidente do Programa Nova Cartografia Social, Alfredo Wagner de Almeida, que ministrou conferência ontem (26) na 64ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), em São Luís.

Sob o tema "Povos e comunidades tradicionais atingidos por projetos militares", o antropólogo alertou sobre a ação de sete estados que buscam reduzir a Amazônia Legal, cujos projetos tramitam no Legislativo. Dentre os quais estão o Mato Grosso que prevê retirar a participação de sua área como Amazônia Legal, igualmente a Rondônia, que quer retirar esse título de suas terras da região. Outros estados como Maranhão e Tocantins querem tirar o título de todas suas áreas consideradas Amazônia Legal.

A região engloba uma superfície de aproximadamente 5.217.423 km², o equivalente a cerca de 61% do território brasileiro. Foi instituída com objetivo de definir a delimitação geográfica da região política captadora de incentivos fiscais para promoção do desenvolvimento regional.

"Essa é uma primeira tentativa de reduzir a Amazônia Legal, pois esses estados agora não gozam mais dos benefícios concedidos pelas agências internacionais multilaterais", analisou Almeida, também conselheiro da SBPC e professor da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).

Segundo o pesquisador, os organismos internacionais, até então, eram fontes de recursos para programas de proteção à Amazônia. Tais como, o Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal (PPTAL), destinado à demarcação de terras indígenas, fomentado principalmente pelo governo da Alemanha. E o PPG7 (Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil). Foram essas políticas que fortaleceram a criação do Ministério do Meio Ambiente. "Sem o apoio das agências multilaterais as políticas para a Amazônia encolheram", disse, sem citar valores.

Conforme o antropólogo, a decisão dos estados que querem sair da Amazônia Legal significa para eles "liderar mais terras segundo as quais consideram ser produtivas", em detrimento da conservação das florestas.

As declarações do antropólogo são baseadas no dossiê "Amazônia: sociedade, fronteiras e políticas", produzido por Edna Maria Ramos de Castro, socióloga do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, da Universidade Federal do Pará (UFPA), e diretora da SBPC, que intermediou a conferência. A íntegra do documento foi publicada recentemente no Caderno CRH da Bahia.

Terras indígenas - Na avaliação da autora do dossiê, os dispositivos jurídicos desses estados ameaçam as terras indígenas - protagonistas na conservação da biodiversidade que precisam da natureza para sobreviver. "São dispositivos legais, são claros na Constituição, mas essa prática pode levar a uma situação de impasse [da sociedade]", analisou. Edna citou o caso da polêmica obra da hidrelétrica de Belo Monte que se tornou um ícone de um processo de resistência da sociedade brasileira.

Mudança de paradigma - O antropólogo fez uma leitura sobre o atual modelo político brasileiro administrativo. Ele vê uma mudança de uma política "de proteção" para uma "ideia de protecionismo". "A distinção entre proteção e protecionismo revela em primeiro lugar o enfraquecimento das agências multilaterais internacionais", disse. Segundo ele, o protecionismo "erige" fora do âmbito da proteção.

Do ponto de vista de Alfredo Wagner, os sinais de mudança refletem principalmente os desacordos na reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC) em dezembro de 2011 em Genebra. Na ocasião, houve sinais de ruptura de acordos internacionais - até então chamados de mercado comum. Um exemplo "é o engavetamento" da chamada Rodada de Doha, em razão de divergência entre as partes sobre subsídios agrícolas concedidos por países desenvolvidos.

Expansão da área militar e infraestrutura - O antropólogo lembra que no auge dos organismos multilaterais a área de segurança, isto é, a dos militares, não era fomentada porque não fazia parte de uma política de mercado único. Ele observa, entretanto, uma mudança a partir de 2009 quando há um deslocamento do modelo e problemas com os militares começam a aparecer, em decorrência da reedição de projetos de fronteiras militarizadas. "A partir daí inicia um capítulo de conflitos".

Afastamento de fundos internacionais e órgãos reguladores - Segundo ele, o que mais sobressai na "ideia do protecionismo" é a identificação de recursos naturais estratégicos, como commodities agrícolas e minérios, que - sob o argumento de desenvolvimento sustentável - podem ser utilizados para o incremento de grandes obras de infraestrutura.

"Tudo passa a ser interpretado como interesses nacionais. A ideia de bloco vai perdendo força, o que pode explicar as próprias tensões no Mercosul, quando a Venezuela é levada ao bloco em momentos de crise. Esses interesses nacionais passam a se articular de maneira disciplinada sem passar pelas entidades multilaterais", considera o antropólogo.

Segundo ele, atual ação do Estado brasileiro não passa pelas entidades multilaterais. Reflexo é o afastamento do Fundo Monetário Internacional (FMI) e de duas normas estrangeiras. Uma delas é a Lei de Direitos Humanos Internacional da OEA (Organização dos Estados Americanos). Ele lembra que o Brasil deixou de investir "nessa corte" a partir do momento em que a hidrelétrica de Belo Monte foi condenada pelo órgão. "O Brasil passa a ter uma posição unilateral, semelhante a dos norte-americanos na Guerra do Golfo", observa o antropólogo. "A ideia do protecionismo vem de forma bastante forte".

Alfredo Wagner também observa sinais de afastamento da Convenção 169 em que obriga a consulta prévia de comunidades prejudicadas por grandes obras de infraestrutura, por exemplo. Segundo ele, o Brasil é condenado a seis violações em projetos militares. Uma é pela construção do Centro de Lançamentos de Alcântara (CLA) em comunidades quilombolas no Maranhão, sem licenciamento ambiental e sem consulta às comunidades "afetadas".

Ele alerta também sobre quatro medidas preocupantes em andamento segundo as quais preveem a construção emergencial de hidrelétricas. Um exemplo é a Medida Provisória 558 de 18 de janeiro de 2012 em que prevê redução de unidades protegidas e de conservação de florestas sob o argumento de desenvolvimento. Segundo ele, o Ibama aprovou em apenas cinco dias uma minuta de termo de referência da Eletronorte para construção de uma hidrelétrica em São Luiz de Tapajós. Na prática, foi aprovado o plano de trabalho encaminhado para diagnosticar as obras. "Com o ritmo emergencial para essas obras parece que os direitos são colocados em suspenso".

Recursos de inconstitucionalidade - Tal MP foi questionada pela Procuradoria Geral da República por uma ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade). O Ministério Público Federal considerou que as unidades de conservação nas áreas de hidrelétricas são essenciais para minimizar os impactos ambientais dos projetos; e argumentou que qualquer discussão sobre a redução dessas áreas florestais deve ser realizada no Congresso Nacional, a fim de evitar a edição de uma MP. "O Brasil hoje vive o império das Medidas Provisórias que impedem a ampla discussão da sociedade. Isso dá uma ideia de capitalismo autoritário", disse o antropólogo.

Privatização de terras na Amazônia - Ele também alerta sobre a privatização das terras públicas na Amazônia sob o "eufemismo" de regularização fundiária, via o programa Terra Legal, pela Lei 11.952 de julho de 2009. Encaminhada pela Presidência da República, a medida prevê privatizar 70 milhões de hectares de terras públicas, um volume considerável em relação ao total de 850 milhões de hectares de terras que compõem o Brasil, segundo o antropólogo. Alfredo Wagner alerta sobre a agilidade na titularidade das terras para grandes propriedades que a MP permite, em detrimento dos pequenos proprietários.

Inicialmente, a medida foi questionada pelo Ministério Público por uma ADIN pela justificativa de que ela estabelece "privilégios injustificáveis" em favor de grileiros que no passado se beneficiaram de terras públicas e houve concentração de terras. "Essa MP é tão cruel quanto a Lei de Terras Sarney de 1969", disse o antropólogo.

Judicialização do Estado - Buscando tranquilizar os ânimos da plateia lotada por alunos, pesquisadores, cientistas, dentre outros - estimada em cerca de 140 pessoas - que temia ser a volta da ditadura militar, o antropólogo respondeu sobre o atual modelo: "Ele não é igual à ditadura militar", respondeu o atribuindo a um "judicialização do Estado" e de "uma coisa esquisita".

Na ocasião, o antropólogo usou a frase de sociólogos para explicar uma crise: "O velho ainda não morreu e o novo ainda não nasceu. Mas está havendo uma transformação."

Fonte: Viviane Monteiro - Jornal da Ciência

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Ignacy Sachs: desenvolvimento sustentável só é possível com intervenção do Estado no mercado

Rio de Janeiro - O desenvolvimento ambiental não pode ser dissociado das questões sociais e econômicas. Mas para haver uma relação de equilíbrio entre essas vertentes, é preciso intervenção do Estado para conter o mercado, que de forma geral não se preocupa com os custos sociais e ambientais. Essa visão é defendida há mais de 40 anos pelo economista Ignacy Sachs que, aos 85 anos de idade, é considerado o criador do termo desenvolvimento sustentável.

Ele participou das três grandes conferências das Nações Unidas sobre o meio ambiente: Estocolmo 72, Rio92 e Rio+20, quando falou sobre o tema. Em entrevista à Agência Brasil, ele fez um balanço das últimas décadas e avaliou os possíveis avanços na área.

Fundador do Centro Internacional de Pesquisa sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento na Escola de Altos Estudos de Ciências Sociais de Paris, Ignacy Sachs se apresenta como ecossocioeconomista, pois entende que ecologia, sociologia e economia são conceitos integrados.

“Historicamente tivemos a economia política, depois simplificaram só para economia. Aí voltamos, nos últimos 40 anos, a uma visão bidimensional, de olhar a economia e a sociedade. Depois acrescentamos o segmento ambiental e formamos um tripé, passando a pensar em uma ecossocioeconomia.”

A partir desse conceito científico, foi desenvolvido o termo ecodesenvolvimento, que se popularizou principalmente a partir da Rio92 e que evoluiu para desenvolvimento sustentável, mais usado atualmente. “É uma visão do desenvolvimento em que os objetivos são sempre os sociais, existe uma condicionalidade ambiental e, para que as coisas aconteçam, é preciso dar às propostas uma viabilidade econômica.”

Para ele, o conceito se justifica pela maneira holística de avaliar a realidade. “Há duas maneiras de olhar o planeta. Uma consiste em considerar que o mundo é um bolo, que depois é cortado em visões unidimensionais: economia, sociologia e ecologia. Depois vêm aqueles que partem do conjunto e tentam pensar quais são as dimensões pertinentes para o problema.”

Nascido na Polônia, em 1927, Ignacy Sachs veio para o Brasil aos 14 anos de idade, onde se formou em economia na Universidade Cândido Mendes no Rio de Janeiro. Em 1954, voltou à Polônia e depois foi para a Índia, onde cursou doutorado na Universidade de Nova Delhi. Mais tarde, sua ligação com o Brasil fez com que ele fundasse em 1985, na Escola de Altos Estudos de Ciências Sociais de Paris, o Centro de Pesquisas sobre o Brasil Contemporâneo.

Embora reconheça que até hoje nenhum país adotou plenamente o conceito de desenvolvimento sustentável, ele é otimista quanto à inclusão do termo nas políticas públicas atuais. “Nesses 40 anos [desde Estocolmo 72] avançamos muito nessa ideia de abrir a cabeça dos que fazem a política sobre a necessidade de se contemplar conjuntamente essas três dimensões. É difícil hoje encontrar um dirigente que não reconheça a importância do social e do ambiental. A mensagem foi absorvida.”

Porém, o economista reconhece que, se houve evolução na aceitação da teoria, faltaram avanços na prática. A devastação ambiental não parou desde as duas conferências das Nações Unidas sobre o meio ambiente. Pelo contrário, só aumentou.

“Os governos não decidem tudo. Na verdade vivemos em uma economia em que os empresários têm muito a dizer. Não vivemos em uma economia pública, mas sim em uma economia público-privada, na qual as decisões, os projetos, os investimentos não estão em uma só mão. Temos uma multiplicidade de atores que têm interesses distintos, muitas vezes conflitivos”, destacou. Fonte: Agência Brasil