domingo, 23 de setembro de 2012
Às escondidas - artigo de Marina Silva
A usina de Belo Monte, ao secar a Volta Grande do rio Xingu, expõe ao sol da opinião pública algo mais que o limo das pedras. A empresa canadense Belo Sun Mining, do grupo Forbes & Manhattan, pretende fazer ali o "maior programa de exploração de ouro do Brasil", investindo mais de US$ 1 bilhão para extrair quase cinco toneladas por ano do precioso metal.
Já no Relatório de Impacto Ambiental da usina constava o interesse de 18 empresas em pesquisa e exploração mineral na área, mas o Ibama achou esse dado irrelevante. O licenciamento da mineração está sendo feito pelo governo do Pará. Tudo indica que o conhecimento do potencial mineral só é segredo para a população, os "investidores" têm o mapa da mina há tempos.
O Brasil vive uma nova "corrida do ouro", silenciosa e oculta da opinião pública, mas intensa ao ponto de fazer a atividade mineradora saltar de modestos 1,6% para expressivos 4,1% do PIB em só dez anos.
Nem é preciso dizer que esse aumento, embora inserido na ascensão brasileira na economia mundial, é continuidade da velha condição de colônia: as riquezas do subsolo brasileiro destinam-se, em sua quase totalidade, ao comércio exterior. As "veias abertas da América Latina" (feliz e triste expressão de Galeano) continuam sangrando.
Por trás dos grandes negócios e notórias fortunas, sempre financiadas e facilitadas pelo Estado, oculta-se um submundo de devastação ambiental e violência contra populações tradicionais.
O Congresso Nacional avoca para si o poder de demarcar terras indígenas e nelas licenciar atividades econômicas, enquanto discute um novo Código Mineral e a criação de uma agência para o setor. Enquanto isso, pedidos de licenças para pesquisa e exploração continuam a ser concedidas aos que chegarem, em processo pouco transparente.
No Congresso, debate-se mudanças na lei para dificultar a demarcação de novas áreas de proteção (reservas, parques, quilombos, terras indígenas), diminuir o tamanho das já demarcadas e licenciar a exploração de suas riquezas. Na forma como são feitas, as mudanças atendem à demanda de grupos econômicos alheios aos interesses da sociedade e do País.
O governo entra com a negociação no varejo da política e as justificativas publicitárias do "interesse nacional" e da "inclusão social". À sociedade falta o que poucos detêm: informações profundas que possibilitam definições estratégicas que atendam a interesses mais amplos.
Na vida pública brasileira, o debate superficial das questões mais importantes se assemelha à infantilização promovida pelos candidatos que se oferecem para cuidar do povo. A conversa dos adultos, entretanto, é feita às escondidas. Até quando?
Fonte: Folha de São Paulo dia 21 de setembro
quarta-feira, 12 de setembro de 2012
Cientistas defendem políticas ambientais e desenvolvimento para Amazônia
Consultado, o governo disse fazer sua parte. Conforme Trajano Augustus, coordenador do Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa) do Ministério do Meio Ambiente, foi implementado na região um ciclo virtuoso de recursos em unidades de conservação, por exemplo, cujos investimentos programados para o biênio 2012 e 2014 superam R$ 100 milhões. A cifra, segundo ele, é um dos maiores volumes de recursos já aplicados na Amazônia. Tais investimentos, avalia Augustus, surtem impactos diretos e indiretos e na população local que acaba se beneficiando das obras executadas.
O cientista Ennio Candotti, vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e diretor do Museu da Amazônia, defende investimentos em cursos de pós-graduação e em pesquisas científicas que podem auxiliar o desenvolvimento da região. Destacando que o Brasil usa o bioma amazônico, os potenciais hidrelétricos e os minérios para extrair riquezas e alavancar o desenvolvimento nacional, Candotti considera importante reconhecer que a Amazônia precisa de políticas científicas e de projetos para promover o próprio desenvolvimento.
"É preciso desenvolver políticas de recursos humanos para a pesquisa e a engenharia que gerem conhecimentos preocupados com o desenvolvimento da região", recomenda Candotti.
Com a mesma opinião, o secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&) do Pará, Alex Fiuza de Melo, defende a criação de projetos capazes de promover o desenvolvimento amazônico. Aliás, disse Melo, é necessário criar condições para estruturar os projetos de hidrelétricas na região, por exemplo, e beneficiar a população local.
A estimativa é de que existem mais de 100 projetos de usinas hidrelétricas para serem implementados na Amazônia, dentre grandes e pequenas centrais. O mais avançado no bioma, a hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, vem sendo alvo de protesto de movimentos sociais, de cientistas e indígenas contrários ao empreendimento.
Pressões internacionais - Ao atribuir a criação do Dia da Amazônia a pressões internacionais, o secretário de CT&I do Pará afirmou que essa comemoração busca "preservar" apenas a imagem do País, mas não a dos habitantes do bioma.
"O Brasil, por enquanto, não tem o direito de comemorar o Dia da Amazônia, pois nenhum projeto de desenvolvimento foi criado, até agora, nos moldes em que a região precisa", analisou Melo.
Custo elevado - Embora reconheça a carência de capital humano qualificado na Amazônia, o coordenador do Arpa disse que "o custo elevadíssimo" incidente sobre a produção do conhecimento inviabiliza esse tipo de investimento na região.
"Essa parte é a mais complicada, digamos a mais complexa, porque a produção de conhecimento na Amazônia é caríssima", disse e exemplificou: "Seriam necessários muitos recursos financeiros para saber como funciona a biodiversidade de uma unidade de conservação de um milhão de hectares".
Potencial - A Amazônia detém a maior biodiversidade do mundo e um dos patrimônios naturais mais valiosos da humanidade. Estudos recentes revelam que a região abriga pelo menos 40 mil espécies de plantas, 427 de mamíferos, 1,2 mil de aves, 378 de répteis, 427 de anfíbios e cerca de três mil espécies de peixes. Os rios amazonenses comportam cerca de 20% da água doce do mundo e a floresta constitui importante estoque de gases responsáveis pelo efeito estufa.
Com riquíssimo patrimônio genético, a Amazônia reúne 7 milhões de km2, dos quais 5,5 milhões são florestas, abrangendo o Norte do Brasil, o Sul da Venezuela e da Colômbia, e Norte do Peru e da Bolívia. A Amazônia Legal abrange os estados do Acre, Amazonas, Roraima, Rondônia, Pará, Amapá, Mato Grosso e Tocantins e o Maranhão, parcialmente. Toda a extensão de terra da Amazônia representa 60% do território brasileiro.
Críticas às obras do PAC - Candotti - que participou de audiência sobre a Amazônia, no dia 28 de agosto, no Senado Federal, que reuniu especialistas e parlamentares - lembrou que a falta de atenção do governo às obras do Programa da Aceleração do Crescimento (PAC) para o desenvolvimento amazônico foi um dos principais assuntos discutidos no evento. Segundo o cientista, as obras do PAC, estimadas em R$ 200 bilhões, preveem projetos de infraestrutura, portos, transportes e ferrovias na Amazônia, mas em nenhum momento focam o desenvolvimento da região como recomenda o Plano Amazônia Sustentável (PAS), cujas diretrizes de investimentos no entanto, ainda não foram definidas.
A expectativa do governo é de que os dois programas, o PAC e o PAS, trabalhem em conjunto na Amazônia. Isso exigiria um diálogo aberto entre os dirigentes de ambos os programas, o que nunca ocorreu. "As políticas do PAC enxergam a Amazônia como uma colônia dentro do Brasil. Ou seja, como a fonte de energia, terra para semear soja, província mineral, mas não há registros de promover o conhecimento do maior patrimônio que ela abriga: a biodiversidade", analisa Candotti.
A audiência no Senado atendeu reivindicação de cientistas e do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação das Instituições de Ensino Superior - a Coordenação da Região Norte (Forprop) que busca o incentivo e o avanço da pesquisa e da pós-graduação na região.
Bolsa de estudo - Os idealizadores da audiência recomendaram a criação de uma bolsa de pesquisa (a exemplo das bolsas de produtividade em pesquisa no CNPq), de R$ 3 mil mensais, para a região atrair pesquisadores e jovens doutores.
Mesmo reconhecendo a importância da bolsa de estudos e dos incentivos financeiros, Candotti disse que essa "é uma medida necessária". Porém, ele a considera insuficiente para alavancar o desenvolvimento da Amazônia.
Políticas ambientais - Ao criticar a falta de políticas ambientais para o bioma, Candotti citou o fato de o novo Código Florestal ignorar a especificidade das florestas úmidas da Amazônia. "Desconsiderar as florestas alagadas da Amazônia é obrigar a natureza a se adaptar às leis de Brasília", destacou. Questionado, o coordenador do Arpa não quis comentar o impacto do Código Florestal no bioma. Fonte: Viviane Monteiro - Jornal da Ciência
quinta-feira, 6 de setembro de 2012
Amazônia usa potássio para semear chuva
Um estudo internacional que coletou amostras de ar em uma torre de 80 metros na Amazônia descobriu que as plantas da floresta exercem ainda mais controle sobre o clima local do que se achava. A vegetação ajuda a criar chuva lançando partículas minúsculas de potássio no ar, diz pesquisa na revista especializada "Science".
Segundo os pesquisadores, 90% das partículas de aerossóis (líquidos e sólidos em suspensão no ar) responsáveis por agregar vapor d'água em gotículas de chuva contêm essas partículas.
Os cientistas sabiam da existência de sais de potássio em suspensão, mas não que o elemento saía diretamente das plantas para ser levado aos céus da Amazônia. Talvez o potássio estivesse contido em partículas orgânicas maiores e só aparecesse depois de elas se degradarem.
"Nós nunca imaginávamos que isso também acontecia em partículas com apenas 20 nanômetros", disse Paulo Artaxo, cientista da USP que participou do trabalho. (Um nanômetro é um bilionésimo de metro.) "Antigamente não havia técnica capaz de medir concentrações de elementos-traços em partículas tão pequenas, mas agora existe."
Essa parte da pesquisa foi feita pelo Instituto Max Planck de Química da Alemanha. Segundo o climatólogo Meinrat Andreae, do Max Planck, a descoberta revelou mais um mecanismo usado pela floresta para reter água em sua própria região. Segundo ele, pode ser que a seleção natural, ao longo dos milênios, tenha favorecido plantas com essa capacidade.
"Nós nos perguntamos se isso é um processo que teve controle evolutivo", diz Andreae. "Agora, queremos saber como as plantas adquiriram essa capacidade." Fonte: Folha de São Paulo
segunda-feira, 27 de agosto de 2012
Indio Kaxarari é assassinado por invasores de terra indígena na região da Ponta do Abunã
Fonte: RondoniaoVivo
sábado, 18 de agosto de 2012
Garimpos clandestinos levam devastação à Amazônia Legal
A crescente presença dos garimpos na Amazônia brasileira, estimulada pelo aumento do preço do ouro no mercado nacional e internacional, traz à tona um alerta ambiental que vai além da visível degradação de solos e margens de rios. O uso de substâncias como mercúrio e cianeto na separação e limpeza do mineral transforma o garimpo de ouro em uma das atividades mais poluidoras, contribuindo para a contaminação de peixes e animais silvestres e afetando a saúde humana.
O secretário executivo da Agência para o Desenvolvimento Tecnológico da Indústria Mineral Brasileira (Adimb), Onildo Marini, diz que o problema da derrubada de árvores na região amazônica para exploração mineral, por exemplo, é minimizado ante os efeitos produzidos pelo uso indiscriminado do mercúrio. “Usado na hora de concentrar o ouro, de queimar o ouro, o mercúrio, evapora ou vai para os peixes. Essa é uma cadeia que ninguém sabe de fato qual importância tem, mas efeito é grave”, ressalta o geólogo.
O coordenador-geral de Fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Rodrigo Dutra, cita pesquisas segundo as quais o mercúrio usado nos garimpos vai sendo acumulado na cadeia alimentar local. “Peixes carnívoros acumulam o mercúrio e o ser humano, ao comer tais peixes, ingere tudo.”
De acordo com especialistas, na bacia do Rio Tapajós no Pará, onde existiam mais de 200 garimpos em atividade na década de 1990, foram liberadas, anualmente, cerca de 12 toneladas de mercúrio no ambiente. Conforme levantamento do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, a concentração de mercúrio analisada no cabelo de pescadores de uma vila da região mostrou que o metal provocou problemas de visão e comprometimento muscular nos ribeirinhos.
Países como Argentina, Índia e Filipinas já proibiram o uso do mercúrio. No Brasil, a retomada do garimpo em larga escala faz com que se intensifique o uso do produto. Depois de encontrar o ouro, os garimpeiros aplicam o mercúrio e aquecem o minério amalgamado. O resultado é o ouro puro e a evaporação de mercúrio na atmosfera e nas águas próximas, afetando peixes e animais silvestres que acumulam facilmente o produto.
Há quase dois meses, sob o argumento de regularizar a atividade do garimpo na região, o Conselho Estadual do Meio Ambiente do Amazonas aprovou uma resolução estadual liberando o uso do mercúrio pelos garimpeiros, mas com algumas condições, como a comprovação da origem de compra da substância e o uso de equipamentos adequados para sua aplicação.
O Ministério Público Federal no estado recomendou a suspensão da medida, argumentando que substância pode representar ameaça à saúde humana e ao meio ambiente. Ontem (14), representantes de garimpos e do governo do Amazonas começaram a discutir o problema. Segundo assessoria do governo do estado, um grupo técnico, que tem entre seus integrantes alguns participantes do encontro de ontem, apresentará, até o fim desta semana, avaliações sobre o uso do mercúrio para que uma equipe jurídica decida o futuro da resolução.
O geólogo Elmer Prata Salomão acrescenta que, além de mercúrio, os garimpeiros usam outra substância tóxica, o cianeto. “Usado corretamente, não tem problema, mas se deixar cianeto na água, sem neutralizar, todos os animais que bebem esta água vão morrer. O uso do cianeto na mineração é clássico, mas tem que ser feito com todas precauções e cuidados que a tecnologia oferece.”
Assim como o mercúrio foi liberado no Amazonas, órgãos ambientais de outros estados têm autorizado o uso do cianeto e garantido fiscalizações rotineiras. Salomão cita os estados do Pará e de Mato Grosso como exemplos. “Se pegar um rio amazônico e lançar cianeto, vai ser um desastre”, conclui o geólogo. Fonte: Agência Brasil
segunda-feira, 6 de agosto de 2012
Cientistas receberão recursos a fundo perdido para levar sustentabilidade à Amazônia
Nos próximos dias serão anunciadas regras que pretendem atrair a comunidade científica para a Amazônia. A aposta do governo federal é financiar projetos de ciência e inovação tecnológia, a fundo perdido, para levar soluções sustentáveis para a região e mudar a lógica econômica, ainda associada ao desmatamento.
Os editais ainda não estão concluídos. Encarregado de acompanhar o desenho dos financiamentos, o secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Informação, Carlos Nobre, adiantou à Agência Brasil, que “algumas propostas são voltadas para potenciais já reconhecidos da região, que passarão a ter mais conhecimento agregado e investimento, enquanto outras buscam soluções inovadoras”.
Em meio à expectativa sobre os temas contemplados no financiamento federal, uma aposta é que seja incluída a valoração dos serviços ambientais. O assunto vem sendo levantado tanto pelo governo quanto por organizações ambientais que defendem uma nova métrica para medir o desenvolvimento e crescimento do país, em substituição ao PIB (Produto Interno Bruto, soma de todos os bens e serviços produzidos no país), incluindo indicadores ambientais na conta.
“Para que entrem no cálculo de mensuração da economia, precisamos entender o que são esses serviços, inclusive como o ciclo de carbono interage no aquecimento global”, antecipou Nobre.
O estímulo a cientistas e pesquisadores soma pelo menos R$ 100 milhões, já previamente aprovados pelo Comitê Orientador do Fundo da Amazônia, com aporte do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
“Esse dinheiro será usado para apoiar ações em sete grandes áreas [na Amazônia], que apontam o que precisa ser feito na região para mudar o paradigma do desenvolvimento”, explicou o secretário. Segundo ele, o volume de recursos pode ainda ser ampliado até a publicação dos editais.
Os detalhes dos editais estão sendo concluídos pela Financiadora de Estudos e Projetos [Finep] e ainda não têm data prevista para publicação. (Fonte: Carolina Gonçalves/ Agência Brasil)
segunda-feira, 30 de julho de 2012
Uma leitura de antropólogos e sociólogos sobre o futuro da Amazônia
Sob o tema "Povos e comunidades tradicionais atingidos por projetos militares", o antropólogo alertou sobre a ação de sete estados que buscam reduzir a Amazônia Legal, cujos projetos tramitam no Legislativo. Dentre os quais estão o Mato Grosso que prevê retirar a participação de sua área como Amazônia Legal, igualmente a Rondônia, que quer retirar esse título de suas terras da região. Outros estados como Maranhão e Tocantins querem tirar o título de todas suas áreas consideradas Amazônia Legal.
A região engloba uma superfície de aproximadamente 5.217.423 km², o equivalente a cerca de 61% do território brasileiro. Foi instituída com objetivo de definir a delimitação geográfica da região política captadora de incentivos fiscais para promoção do desenvolvimento regional.
"Essa é uma primeira tentativa de reduzir a Amazônia Legal, pois esses estados agora não gozam mais dos benefícios concedidos pelas agências internacionais multilaterais", analisou Almeida, também conselheiro da SBPC e professor da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
Segundo o pesquisador, os organismos internacionais, até então, eram fontes de recursos para programas de proteção à Amazônia. Tais como, o Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal (PPTAL), destinado à demarcação de terras indígenas, fomentado principalmente pelo governo da Alemanha. E o PPG7 (Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil). Foram essas políticas que fortaleceram a criação do Ministério do Meio Ambiente. "Sem o apoio das agências multilaterais as políticas para a Amazônia encolheram", disse, sem citar valores.
Conforme o antropólogo, a decisão dos estados que querem sair da Amazônia Legal significa para eles "liderar mais terras segundo as quais consideram ser produtivas", em detrimento da conservação das florestas.
As declarações do antropólogo são baseadas no dossiê "Amazônia: sociedade, fronteiras e políticas", produzido por Edna Maria Ramos de Castro, socióloga do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, da Universidade Federal do Pará (UFPA), e diretora da SBPC, que intermediou a conferência. A íntegra do documento foi publicada recentemente no Caderno CRH da Bahia.
Terras indígenas - Na avaliação da autora do dossiê, os dispositivos jurídicos desses estados ameaçam as terras indígenas - protagonistas na conservação da biodiversidade que precisam da natureza para sobreviver. "São dispositivos legais, são claros na Constituição, mas essa prática pode levar a uma situação de impasse [da sociedade]", analisou. Edna citou o caso da polêmica obra da hidrelétrica de Belo Monte que se tornou um ícone de um processo de resistência da sociedade brasileira.
Mudança de paradigma - O antropólogo fez uma leitura sobre o atual modelo político brasileiro administrativo. Ele vê uma mudança de uma política "de proteção" para uma "ideia de protecionismo". "A distinção entre proteção e protecionismo revela em primeiro lugar o enfraquecimento das agências multilaterais internacionais", disse. Segundo ele, o protecionismo "erige" fora do âmbito da proteção.
Do ponto de vista de Alfredo Wagner, os sinais de mudança refletem principalmente os desacordos na reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC) em dezembro de 2011 em Genebra. Na ocasião, houve sinais de ruptura de acordos internacionais - até então chamados de mercado comum. Um exemplo "é o engavetamento" da chamada Rodada de Doha, em razão de divergência entre as partes sobre subsídios agrícolas concedidos por países desenvolvidos.
Expansão da área militar e infraestrutura - O antropólogo lembra que no auge dos organismos multilaterais a área de segurança, isto é, a dos militares, não era fomentada porque não fazia parte de uma política de mercado único. Ele observa, entretanto, uma mudança a partir de 2009 quando há um deslocamento do modelo e problemas com os militares começam a aparecer, em decorrência da reedição de projetos de fronteiras militarizadas. "A partir daí inicia um capítulo de conflitos".
Afastamento de fundos internacionais e órgãos reguladores - Segundo ele, o que mais sobressai na "ideia do protecionismo" é a identificação de recursos naturais estratégicos, como commodities agrícolas e minérios, que - sob o argumento de desenvolvimento sustentável - podem ser utilizados para o incremento de grandes obras de infraestrutura.
"Tudo passa a ser interpretado como interesses nacionais. A ideia de bloco vai perdendo força, o que pode explicar as próprias tensões no Mercosul, quando a Venezuela é levada ao bloco em momentos de crise. Esses interesses nacionais passam a se articular de maneira disciplinada sem passar pelas entidades multilaterais", considera o antropólogo.
Segundo ele, atual ação do Estado brasileiro não passa pelas entidades multilaterais. Reflexo é o afastamento do Fundo Monetário Internacional (FMI) e de duas normas estrangeiras. Uma delas é a Lei de Direitos Humanos Internacional da OEA (Organização dos Estados Americanos). Ele lembra que o Brasil deixou de investir "nessa corte" a partir do momento em que a hidrelétrica de Belo Monte foi condenada pelo órgão. "O Brasil passa a ter uma posição unilateral, semelhante a dos norte-americanos na Guerra do Golfo", observa o antropólogo. "A ideia do protecionismo vem de forma bastante forte".
Alfredo Wagner também observa sinais de afastamento da Convenção 169 em que obriga a consulta prévia de comunidades prejudicadas por grandes obras de infraestrutura, por exemplo. Segundo ele, o Brasil é condenado a seis violações em projetos militares. Uma é pela construção do Centro de Lançamentos de Alcântara (CLA) em comunidades quilombolas no Maranhão, sem licenciamento ambiental e sem consulta às comunidades "afetadas".
Ele alerta também sobre quatro medidas preocupantes em andamento segundo as quais preveem a construção emergencial de hidrelétricas. Um exemplo é a Medida Provisória 558 de 18 de janeiro de 2012 em que prevê redução de unidades protegidas e de conservação de florestas sob o argumento de desenvolvimento. Segundo ele, o Ibama aprovou em apenas cinco dias uma minuta de termo de referência da Eletronorte para construção de uma hidrelétrica em São Luiz de Tapajós. Na prática, foi aprovado o plano de trabalho encaminhado para diagnosticar as obras. "Com o ritmo emergencial para essas obras parece que os direitos são colocados em suspenso".
Recursos de inconstitucionalidade - Tal MP foi questionada pela Procuradoria Geral da República por uma ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade). O Ministério Público Federal considerou que as unidades de conservação nas áreas de hidrelétricas são essenciais para minimizar os impactos ambientais dos projetos; e argumentou que qualquer discussão sobre a redução dessas áreas florestais deve ser realizada no Congresso Nacional, a fim de evitar a edição de uma MP. "O Brasil hoje vive o império das Medidas Provisórias que impedem a ampla discussão da sociedade. Isso dá uma ideia de capitalismo autoritário", disse o antropólogo.
Privatização de terras na Amazônia - Ele também alerta sobre a privatização das terras públicas na Amazônia sob o "eufemismo" de regularização fundiária, via o programa Terra Legal, pela Lei 11.952 de julho de 2009. Encaminhada pela Presidência da República, a medida prevê privatizar 70 milhões de hectares de terras públicas, um volume considerável em relação ao total de 850 milhões de hectares de terras que compõem o Brasil, segundo o antropólogo. Alfredo Wagner alerta sobre a agilidade na titularidade das terras para grandes propriedades que a MP permite, em detrimento dos pequenos proprietários.
Inicialmente, a medida foi questionada pelo Ministério Público por uma ADIN pela justificativa de que ela estabelece "privilégios injustificáveis" em favor de grileiros que no passado se beneficiaram de terras públicas e houve concentração de terras. "Essa MP é tão cruel quanto a Lei de Terras Sarney de 1969", disse o antropólogo.
Judicialização do Estado - Buscando tranquilizar os ânimos da plateia lotada por alunos, pesquisadores, cientistas, dentre outros - estimada em cerca de 140 pessoas - que temia ser a volta da ditadura militar, o antropólogo respondeu sobre o atual modelo: "Ele não é igual à ditadura militar", respondeu o atribuindo a um "judicialização do Estado" e de "uma coisa esquisita".
Na ocasião, o antropólogo usou a frase de sociólogos para explicar uma crise: "O velho ainda não morreu e o novo ainda não nasceu. Mas está havendo uma transformação."
Fonte: Viviane Monteiro - Jornal da Ciência
segunda-feira, 2 de julho de 2012
Ignacy Sachs: desenvolvimento sustentável só é possível com intervenção do Estado no mercado
Rio de Janeiro - O desenvolvimento ambiental não pode ser dissociado das questões sociais e econômicas. Mas para haver uma relação de equilíbrio entre essas vertentes, é preciso intervenção do Estado para conter o mercado, que de forma geral não se preocupa com os custos sociais e ambientais. Essa visão é defendida há mais de 40 anos pelo economista Ignacy Sachs que, aos 85 anos de idade, é considerado o criador do termo desenvolvimento sustentável.
Ele participou das três grandes conferências das Nações Unidas sobre o meio ambiente: Estocolmo 72, Rio92 e Rio+20, quando falou sobre o tema. Em entrevista à Agência Brasil, ele fez um balanço das últimas décadas e avaliou os possíveis avanços na área.
Fundador do Centro Internacional de Pesquisa sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento na Escola de Altos Estudos de Ciências Sociais de Paris, Ignacy Sachs se apresenta como ecossocioeconomista, pois entende que ecologia, sociologia e economia são conceitos integrados.
“Historicamente tivemos a economia política, depois simplificaram só para economia. Aí voltamos, nos últimos 40 anos, a uma visão bidimensional, de olhar a economia e a sociedade. Depois acrescentamos o segmento ambiental e formamos um tripé, passando a pensar em uma ecossocioeconomia.”
A partir desse conceito científico, foi desenvolvido o termo ecodesenvolvimento, que se popularizou principalmente a partir da Rio92 e que evoluiu para desenvolvimento sustentável, mais usado atualmente. “É uma visão do desenvolvimento em que os objetivos são sempre os sociais, existe uma condicionalidade ambiental e, para que as coisas aconteçam, é preciso dar às propostas uma viabilidade econômica.”
Para ele, o conceito se justifica pela maneira holística de avaliar a realidade. “Há duas maneiras de olhar o planeta. Uma consiste em considerar que o mundo é um bolo, que depois é cortado em visões unidimensionais: economia, sociologia e ecologia. Depois vêm aqueles que partem do conjunto e tentam pensar quais são as dimensões pertinentes para o problema.”
Nascido na Polônia, em 1927, Ignacy Sachs veio para o Brasil aos 14 anos de idade, onde se formou em economia na Universidade Cândido Mendes no Rio de Janeiro. Em 1954, voltou à Polônia e depois foi para a Índia, onde cursou doutorado na Universidade de Nova Delhi. Mais tarde, sua ligação com o Brasil fez com que ele fundasse em 1985, na Escola de Altos Estudos de Ciências Sociais de Paris, o Centro de Pesquisas sobre o Brasil Contemporâneo.
Embora reconheça que até hoje nenhum país adotou plenamente o conceito de desenvolvimento sustentável, ele é otimista quanto à inclusão do termo nas políticas públicas atuais. “Nesses 40 anos [desde Estocolmo 72] avançamos muito nessa ideia de abrir a cabeça dos que fazem a política sobre a necessidade de se contemplar conjuntamente essas três dimensões. É difícil hoje encontrar um dirigente que não reconheça a importância do social e do ambiental. A mensagem foi absorvida.”
Porém, o economista reconhece que, se houve evolução na aceitação da teoria, faltaram avanços na prática. A devastação ambiental não parou desde as duas conferências das Nações Unidas sobre o meio ambiente. Pelo contrário, só aumentou.
“Os governos não decidem tudo. Na verdade vivemos em uma economia em que os empresários têm muito a dizer. Não vivemos em uma economia pública, mas sim em uma economia público-privada, na qual as decisões, os projetos, os investimentos não estão em uma só mão. Temos uma multiplicidade de atores que têm interesses distintos, muitas vezes conflitivos”, destacou. Fonte: Agência Brasil