“O Amazonas concentra a maior parte das comunidades brasileiras sem acesso à rede elétrica, porque o modelo de fornecimento existente no restante do país não atende às características peculiares da região”, diz o engenheiro eletricista.
Confira a entrevista.
A usina hidrelétrica de Balbina, inaugurada no final da década de 1980, no estado do Amazonas, é conhecida como a “pior concepção de hidrelétrica do mundo, porque ocupa um reservatório de mais de 2.500 km² para gerar 250 MW. Enquanto que a média nacional é de 0,5 km² por MW”, afirma Anderson Bittencourt à IHU On-Line. Para ele, Balbina é um mau exemplo que deve ser considerado diante da proposta do governo federal de construir quatro novas hidrelétricas no estado, das sete que serão construídas na bacia do rio Aripuanã, nos estados do Amazonas, Mato Grosso e Rondônia.
De acordo com Bittencourt, estima-se que somente no Amazonas oito unidades de conservação (federal e estadual) serão atingidas, o que causará “impactos significativos na grande diversidade de espécies animais e vegetais”. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, ele informa que, de acordo com o inventário realizado até o momento, cerca de 112 mil habitantes serão impactados. “As famílias deverão ser deslocadas de suas áreas, considerando-se que está prevista uma inundação em média de 300 a 400 km² em cada área de barragem construída”.
Em sua avaliação, é um equívoco ambiental “executar o plano de expansão do sistema elétrico brasileiro, por conta apenas da perspectiva de esgotamento do potencial hidráulico disponível nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste, sem considerar os aspectos técnicos, energéticos, econômicos e ambientais da região a ser explorada, nesse caso, a região Amazônica”.
Anderson Bittencourt é subcoordenador da Unidade Gestora do Centro Estadual de Mudanças Climáticas – Ceclima/SDS, da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – É viável construir hidrelétricas em áreas florestais? Quais as implicações dessa obra para o meio ambiente?
Anderson Bittencourt – Não é viável, já que há degradação ambiental. Sobre tal degradação, temos um exemplo negativo no nosso “quintal”: a Usina Hidrelétrica de Balbina, no município de Presidente Figueiredo (100 km de Manaus). Ela é conhecida como a pior concepção de hidrelétrica do mundo, porque ocupa um reservatório de mais de 2.500 km² para gerar 250 MW. Enquanto que a média nacional é de 0,5 km² por MW.
IHU On-Line – Está prevista a construção de quatro hidrelétricas no Amazonas: Prainha, Sumaúma, Cachoeira Galinha e Inferninho. O que os estudos indicam acerca da construção dessas hidrelétricas? Elas poderão impactar alguma área de preservação?
Anderson Bittencourt – O Estudo apresentado pela Empresa de Pesquisa Energética – EPE propõe a construção de sete usinas hidrelétricas na bacia do rio Aripuanã, nos estados do Amazonas, Mato Grosso e uma área menor de Rondônia, sendo quatro propostas no rio Aripuanã (potência total de 1.537,9 MW) e três propostas no rio Roosevelt (potência total de 891,9 MW). No Amazonas, estão previstas as construções das quatro usinas supracitadas na região dos municípios de Apuí e Novo Aripuanã, sudeste do estado. Nessa área estima-se atingir oito unidades de conservação (federal e estadual), causando impactos significativos na grande diversidade de espécies animais e vegetais.
IHU On-Line – Como esse complexo atingirá as comunidades locais?
Anderson Bittencourt – Conforme o inventário, estima-se que uma população de 112 mil habitantes será impactada com a construção das hidrelétricas. As famílias deverão ser deslocadas de suas áreas, considerando-se que está prevista uma inundação em média de 300 a 400 km² em cada área de barragem construída.
IHU On-Line – Como a população do Amazonas está se posicionando diante da possibilidade da construção das hidrelétricas?
Anderson Bittencourt – Nesta fase, a voz da população do Amazonas é o governo estadual. Nosso papel tem sido subsidiá-lo sobre o andamento dos estudos, e de deixar claro que se trata apenas da primeira etapa do ciclo de implantação de uma usina. As etapas seguintes são estudos de viabilidade do aproveitamento, incluindo Estudo de Impacto Ambiental – EIA/RIMA e as audiências públicas junto à sociedade. Vencida essas etapas, inicia-se o processo de obtenção de Licença Ambiental Prévia, leilão de energia, Projeto Básico e o Projeto Executivo para implantação do empreendimento.
IHU On-Line – O que diferencia um complexo hidrelétrico de uma grande hidrelétrica? Hoje é mais fácil aprovar um complexo de hidrelétricas menores, por isso esse modelo tem sido adotado pelo governo?
Anderson Bittencourt – Em poucas palavras, um complexo hidrelétrico é um conjunto de aproveitamentos hidrelétricos existentes numa bacia hidrográfica. Para a Empresa de Pesquisas Energéticas – EPE, ao diminuir o tamanho da hidrelétrica, consequentemente se diminui o tamanho dos lagos das hidrelétricas. Com isso uma parte dos problemas socioambientais estaria resolvida. No entanto, não resolve os principais problemas no entorno ou dentro de áreas protegidas. O alagamento de áreas é inevitável, alterando diretamente no funcionamento dos processos ecológicos, sociais e econômicos locais.
IHU On-Line – Os órgãos responsáveis e o governo federal apresentaram algum laudo ou estudo confirmando a viabilidade das quatro hidrelétricas? Dizem que órgãos estaduais e federais que atuam na bacia do rio Aripuanã não foram consultados sobre a viabilidade dos empreendimentos na área. Você tem detalhes sobre esse processo?
Anderson Bittencourt – No momento, não há necessidade por parte dos órgãos do governo do estado de emissão de laudo positivo/negativo quanto ao estudo elaborado. A partir da seleção dos aproveitamentos inventariados, são programados os estudos de viabilidade. Os estudos são elaborados com o objetivo de estabelecer diretrizes para a expansão do sistema, de modo a atender à demanda de energia e nortear as decisões individuais dos agentes investidores. Eles indicam a melhor sequência de obras no horizonte de dez anos, do ponto de vista energético, econômico e ambiental. Devem ser sinalizados os custos e as incertezas associados a cada projeto, especialmente com relação aos aspectos ambientais. Igualmente as incertezas relativas à data de entrada em operação, em decorrência do prazo necessário para o cumprimento dos procedimentos do processo de licenciamento ambiental.
IHU On-Line – Em que consistiria uma revisão do inventário produzido até o momento?
Anderson Bittencourt – Do ponto de vista ambiental, é o momento em que podem ser identificados os impactos ambientais do conjunto de aproveitamentos sobre a bacia hidrográfica do rio Aripuanã, os efeitos cumulativos e as restrições impostas aos usos dos recursos hídricos. A Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, em reposta ao ofício da EPE, encaminhou no mês de abril contribuições no sentido de garantir o equilíbrio no que se refere aos impactos positivos e negativos dos empreendimentos, sugerindo que as informações sejam levadas em consideração quando o relatório for encaminhado à Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel.
IHU On-Line – Que rios serão atingidos para a construção dessas hidrelétricas? Como as hidrelétricas interferem no ciclo dos rios? Dizem que as quatro hidrelétricas previstas irão restringir a navegação no rio Aripuanã. Você acha que isso é possível?
Anderson Bittencourt – Os rios atingidos são o rio Aripuanã e o rio Roosevelt. Não acho que isso seja possível. Certamente uma das recomendações na estrutura das barragens será a construção das eclusas para permitir a navegação contínua.
IHU On-Line – Qual a probabilidade de esse complexo hidrelétrico apresentar problemas técnicos futuramente? É possível avaliar sua eficácia nesse momento?
Anderson Bittencourt – No momento não é possível essa avaliação. Só será possível com os estudos de viabilidade dos empreendimentos.
IHU On-Line – Quais os principais equívocos em torno da decisão de se construir uma hidrelétrica e implantá-la? Deveria haver um estudo específico para cada hidrelétrica?
Anderson Bittencourt – Em minha opinião, o principal equívoco é executar o plano de expansão do sistema elétrico brasileiro, por conta apenas da perspectiva de esgotamento do potencial hidráulico disponível nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste, sem considerar os aspectos técnicos, energéticos, econômicos e ambientais da região a ser explorada, nesse caso, a região Amazônica. Isso exige cuidados específicos para a priorização da utilização dos recursos, em função de sua complexidade ambiental.
IHU On-Line – Qual seria a matriz energética apropriada para o estado do Amazonas? Em que consiste sua proposta de uma matriz energética diversificada?
Anderson Bittencourt – Amazonas possui uma área maior do que França, Alemanha e Espanha somadas, porém sua população de aproximadamente 3.2 milhões de pessoas é menor do que a da zona leste da cidade de São Paulo. Dois terços dessa população estão localizados em Manaus, e o restante divide-se por 61 municípios, envoltos pela maior área de floresta tropical contínua do país – 98% da cobertura florestal original ainda está de pé. Enquanto a matriz de geração elétrica brasileira é composta por 86% de fontes renováveis, a matriz do Amazonas representa exatamente o oposto, com 86% de fontes não renováveis. A ironia é que justamente no Estado do Amazonas, responsável pela maior parte da floresta, a energia produzida é gerada por termelétricas movidas a óleo combustível e óleo diesel, subsidiados pela população do Sul, Sudeste e Centro Oeste do país, através da Conta de Consumo e Combustível – CCC.
Fonte: Instituto Humanitas Usininos
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